Minha primeira cachorrinha era uma pequinês com um olhinho cego devido a um acidente. Grande amor que se foi envenenada. Minha mãe, ao ver o meu sofrimento, se adiantou e me deu a boneca que já havia sido comprada para o Natal. Descobri no mesmo dia que Papai Noel não existia, mas a morte, sim.
Muitas as alegrias e as dores ao longo de 64 anos – Como todos nós.
Devido à dureza da minha mãe, tive mais uma cachorrinha e depois que ela morreu de um acidente, minha mãe nos impediu de sentir a alegria de ter um amor incondicional em nossas vidas. As pessoas por medo de perder, deixam de ganhar.
Tão logo pude escolher a vida ao lado de uma grande companheira e amiga, adotei um amor para a vida toda. Ela morreu no carnaval de 2019. Pensei que fosse morrer junto. Foram 12 anos de uma convivência e cumplicidade inesquecíveis. Não tive filhos humanos. A minha querida Shesty preencheu essa lacuna com tamanha competência, que foi duro demais aceitar o fato de que eles não suportam essa energia densa do nosso planeta e partem para outras instâncias mais cedo que nós.
Companheira de todas as horas, minha filha peluda teve muitas doenças. Cristais na bexiga, doença renal, câncer e uma doença no intestino tão séria que ela só podia comer rã com arroz. Sobreviveu bem por mais três anos. Cuidados, carinhos, beijos, muitos beijos. Muitos cheiros e conversas ao pé do ouvido. Ela sempre me entendeu. Boa ouvinte, me olhava nos olhos como poucos humanos. Nunca disse uma palavra, mas me falou de compreensão, apoio, amor e presença forte ao meu lado.
Quando tive câncer, todos iam embora para seus afazeres, mas ela estava ali, dormindo ao meu lado como a mais presente e forte das amigas. Um dia ela foi e eu passei a não saber como dormir sem ela ao meu lado.
Com duas semanas decidi adotar outra filha peluda. Que erro… Não tinha passado pelo luto totalmente. Tinha carinho por Clarice, mas a saudade ainda permaneceu por muito tempo…
Minha segunda filha é muito carente, medrosa. Deve ter sido maltratada enquanto bebê. Tinha que lidar com a minha dor e a dela. Ambas não tinham capacidade emocional de lidar com seus respectivos sofrimentos. Foram meses difíceis.
Certo dia ela me olhou nos olhos e os apertou como uma japonesa convicta da sua superioridade cultural. Me disse em mensagem visual: eu te amo. Subiu no meu colo e deitou a cabecinha como se dissesse: mãe, chega, né? Vamos seguir. O que passou, passou. Clichê e verdadeiro… Coloquei no passado a morte da Shesty e trouxe Clarice para dentro do meu coração e da minha vida.
Ela é a minha segunda filha dessa encarnação. Seus carinhos são surpreendentes como a vida.
Acho que as pessoas que se propõem a cuidar de animais, sejam como tutores ou médicos, têm uma missão importante. Talvez por isso, muitas vezes trocamos – por ato falho – o nome de veterinário por pediatra. Não é carência afetiva, não. Quando você vai ao médico, está sendo cuidada e seguirá as orientações para se manter saudável. No entanto, quando um amor que depende de você adoece, você delega para alguém não a sua saúde, mas o sentido de ser mãe, pai, humano.
Em última análise, cuidemos uns dos outros. Em tempo de fauna queimada, meu coração arde de muito mais amor por todos que se dedicam a essa profissão de fé e amor.
Texto escrito por Vania Benvolf.